domingo, 2 de dezembro de 2012

Prece


"Que eu não esqueça que vivi, à minha maneira, mas vivi.
Que cada passo seja mais determinado que o anterior.
Que toda solidão seja provisória.
Que os caminhos sejam partilhados.
Que toda ajuda seja aceita.
Que toda festa seja agradável.
Que a estrada toque o horizonte.
Que a jornada seja cheia de riso.
Que o azul do céu esteja comigo.
(eu preciso do céu azul)"

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Dona Sophia, Dona Sophia...

Acho que por enquanto é mais ou menos assim...



"Às vezes"


"Às vezes julgo ver nos meus olhos
A promessa de outros seres
Que eu podia ter sido,
Se a vida tivesse sido outra.


Mas dessa fabulosa descoberta

Só me vem o terror e a mágoa

De me sentir sem forma, vaga e incerta
Como a água."


Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 29 de julho de 2012

"Le Hermit - O Ermitão"

"- Agora, em meu próprio país, meus pés voltam a pisar.
O Ermitão saiu do barco e mal pôde se sustentar.
- Pergunte, pergunte Santo Homem:
O Ermitão esfregou a fronte.
- Fale - disse ele - diga que homem a mim está defronte.
- Embora esta carcaça tenha enrugado de tanta agonia, que me forçou a narrar meu conto, até que chegasse o dia.
- Desde então, a uma certa hora, a agonia retorna, e até o final desta narrativa, o meu coração chora!
- Eu passo como a Noite: de terra em terra. Tenho um estranho poder na fala.
- Assim que a face dele eu vir, saberei que deve me ouvir. E ensiná-lo é tudo o que posso pedir..."

domingo, 22 de julho de 2012

Quando conhecemos as coisas de verdade?

"Às vezes, sem causa aparente, vemos de verdade o mundo que nos rodeia. E essa visão é, a seu modo, uma espécie de teofania ou aparição, pois o mundo se revela para nós em suas dobras e abismos como Krishna diante de Árjuna. Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim; todas as tardes nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado, feito de tijolos e tempo urbano. De repente, num dia qualquer, a rua dá para outro mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos. Nunca os tínhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tantos e tão esmagadoramente reais. Sua própria realidade compacta nos faz duvidar: são assim as coisas ou são de outro modo? Não, isso que estamos vendo pela primeira vez já havíamos visto antes. Em algum lugar, no qual nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim. E à surpresa segue-se a nostalgia. Parece que nos recordarmos e quereríamos voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhada por uma luz antiquíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Um sopro nos golpeia a fronte. Estamos encantados, suspensos no meio da tarde imóvel. Adivinhamos que somos de outro mundo."

Octávio Paz

Acho que é por aí...

domingo, 15 de julho de 2012

Ode Marítima

"Ah, quem sabe, quem sabe,
Se não parti outrora, antes de mim,
Dum cais; se não deixei, navio ao sol
Oblíquo da madrugada,
Uma outra espécie de porto?"


Álvaro de Campos

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Eu

"Sou comum,
Sou só um,
Um de cada vez.
Não sou divino
Mas posso ser três.
Sou menino,
Acho que sou raro.
Falo que sou culto
Mesmo sem preparo.
Sou ator.
Sou adulto.
Falo de amor
Amordaçado
Digo sim.
E fim
Do primeiro ato."


Thales Pereira

domingo, 20 de maio de 2012

Mais! Quero mais!

Estava pensando sobre o que são os "encontros". a maneira como entendemos o que é o fato de encontrar alguém e partilhar de um momento; e a partir daí construirmos uma conduta (ou "ética", para quem preferir). já li em diversos textos sobre o "encontro", a importância de promover um "bom encontro" e como eles te agregam algo e te constroem. mas o que me pergunto é como fazemos para saber se foi um bom encontro, para promover um bom encontro, ou seja, "como sair da teoria para a prática"? não acredito que seja uma simples questão de desejo (creio que implicar o desejo seja a primeira parte, mas tem algo a mais). talvez, (outra) parte da questão seja em relação aos afetos, estar atento a quais são suscitados (bons ou ruins, ou ainda, a ausência de afeto). mas se eu ficar atento ao afeto, como fico atento ao conteúdo do encontro? e o que significa a ausência de afeto? seria a ausência do encontro? como seguir a partir desses questionamentos? talvez, estar atento ao conteúdo e depois ao afeto? e quando estiver mais acostumado com essa questão, exercitar as duas coisas ao mesmo tempo? todos dias peço discernimento e coragem para fazer minhas escolhas e me ater e lidar com as consequências delas. acho que chegou a hora de, além disso, pedir para ter o posicionamento correto quanto aos maus encontros, saber até que ponto ir.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Ultimatum

"Mandado de despejos aos mandarins do mundo
Fora tu, reles, esnobe, plebeu
E fora tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade
E tu da juba socialista, e tu qualquer outro
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles
Todos.

Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir.

Ultimatum uma voz que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo
Vós, anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
Para quererem deixar de trabalhar
Sim, todos vós que representais o mundo
Homens altos
Passai por baixo do meu desprezo

Passai aristocratas de tanga de ouro
Passai Frouxos
Passai radicais do pouco
Quem acredita neles?
Mandem tudo isso para casa
Descascar batatas simbólicas
Fechem-me isso tudo a chave
E deitem a chave fora
Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais janelas
Do que todas as janelas que há no mundo.

Nenhuma idéia grande
Nenhuma corrente política
Que soe a uma idéia grão
E o mundo quer a inteligência nova

Sensibilidade nova
O mundo tem sede de que se crie
O que aí está a apodrecer a vida
Quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar
Porque não é nada

Eu da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar
Eu da raça dos descobridores
Desprezo o que seja menos
Que descobrir um mundo novo

Proclamo isso bem alto
Braços erguidos
Fitando o Atlântico
E saudando abstratamente o infinito..."



Álvaro de Campos

domingo, 25 de março de 2012

Trilhas

"Eu queria entrar pela porta de frente!
Abrias as janelas,
Te convidar pra passear
Por caminhos abertos,
No espaço, na luz,
Feito a paixão que existia
E que coloria o feio, o escuro,
Que a gente não via...

Mas quem sabe
O que vem pelo caminho?
Que trilhas, trechos e atalhos
Se deve andar sozinho?
Em que canto da vida nos perdemos?

Ah! Eu queria partir pela porta da frente!
Te convidar pra ficar
Com tuas luzes acesas,
Tuas janelas abertas,
Num aceno final, não sei...
Dobrar a esquina
E te deixar ali, feliz...
Como no dia que entrei."

Thales Pereira

domingo, 11 de março de 2012

"Tempestade"

"Ainda é dia, mas o mundo está escuro
[tem uma tempestade a caminho.
Uma chuva forte começa a cair,
você me pega pela mão e voamos pela chuva.
[muito frio!
Até o alto de uma montanha.
De lá vemos o mundo sendo tempesteado.
Então as nuvens se abrem,
e vemos o sol...
Abro meus olhos:
E a vida continua."

domingo, 26 de fevereiro de 2012

"Perfume"

"Seu perfume se foi
mas o vento traz
[para mim
uma amostra dele
a cada manhã
[quando abro minha janela."

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Semântica

"Não se enganem comigo:
se digo sul pode ser norte,
chego mas fico ausente,
o triste é também o belo,
procuro o que não se perde
nem se pode encontrar.

Buscar respostas nos livros
é esconder-se entre linhas.
Não creio no que se enxerga,
mas nisso que se disfarça
por mais que se tente olhar:
assim me tem seduzida.

Eis o jogo que eu persigo,
meu jeito de ser feliz,
o desafio que me embala:
sempre que escrevo "morte"
estou falando da vida."

Lya Luft

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Eu vou me embora, sem medo, daqui"

Viagem


"Hora de partir! Vamos!
Pode me levar para onde quiser.
Não me importa, só quero saber da partida.
Leve-me em frente, para o que me espera.
Deixarei meu adeus em forma de carta
para cada um de meus queridos.
Quando eles receberam a notícia, já estarei longe.
Sem despedidas, sem abraços e nem lágrimas.
Pois só me interessa partir,
a hora é agora!
Tenho certeza, me leva."

Busca!

"Há um temporal lá fora...
É hora de abrir a porta,
           Buscar a luz,
           Reencontrar a paz
           E jamais dormir.

Há um temporal lá fora...
É hora de ficar atento,
           De abrir as janelas,
           Acender as velas
           E não desistir.

Há um temporal lá fora...
É hora de ter muita fé,
           De dar as mãos,
           Fincar os pés
           Na estrada e partir.

Há um temporal lá fora...
É hora do teu coração
           Encontrar no outro,
           Possibilidades
           Para existir."

Thales Pereira